Segundo diaTendo tomado o magnífico café da manhã da nossa pousada capônica, onde tudo é natural e orgânico (inclusive os pesticidas organofosforados usados nas frutas), partimos em direção à Cachoeira da Purificação, onde lavaríamos todos os pecados da alma e o produto de alguns dias sem tomar banho. O acesso é pela mesma estrada que leva ao Circo do Capão e pode ser feito na sua maior parte de carro, porém, é um trecho um pouco difícil, com subidas que ficam inacessíveis caso chova. Estando a pé, prepare-se para uma boa caminhada antes de chegar à trilha de fato.
A trilha que leva à Cachoeira da Purificação é do meu tipo predileto: caminho acidentado entre a mata que margeia o rio, com alguns trechos onde se atravessa o leito pelas pedras. O caminho pode ser feito todo pelo leito do rio, sobre as pedras, mas a caminhada se torna muito mais lenta e um pouco mais perigosa. Trilhas deste tipo são geralmente protegidas do sol forte, por causa da vegetação; quase planas, com trechos de escalada rápida com o auxílio de plantas como apoio e corrimão. São mais leves que grandes caminhadas abertas ou subidas de montanha, como na Cachoeira da Fumaça, exigindo mais equilíbrio e atenção que resistência aeróbica. Fizemos a trilha com um pessoal que já havia estado no local anteriormente, porém, caso seja a primeira vez, é altamente recomendado que se contrate um guia da região (ACV-VC: Associação de Condutores de Visitantes do Vale do Capão, o melhor lugar para informações sobre os passeios e atrações turísticas do local).
Águas congelantes
A queda da Cachoeira da Purificação forma um poço de cerca de 2,5 metros de profundidade no seu ponto mais central, com pedras no leito. A queda d’água não ultrapassa a altura de 5 metros, o ambiente é bonito, com uma ótima área para banho, de águas geladas. Como o acesso não é tão fácil, geralmente o local não superlota, mas você certamente terá companhia caso se trate de feriados nacionais. Ainda há uma trilha lateral à área do poço que leva à parte superior da cachoeira e a mais uma queda d’água acima, chamada de Cachoeira dos Duendes, porém é um trecho mais difícil e íngreme, só satisfazendo aos mais aventureiros, sem grandes atrativos.
Muitos desocupados vêm às águas da Purificação
Mais tarde, com as heranças de dois dias de trilha (calos e ferimentos nos pés), descansamos à tarde para conferir a noite do Capão. Objetivos da noite: comer todas as iguarias da região e conseguir maconha pura orgânica, sem os produtos malignos que o ser humano usa para entorpecer a sua mente.
Comemos nas duas noites em pizzarias diferentes, a primeira não terá seu nome mencionado gratuitamente como punição ao fato de nos deixarem esperando por mais de 30 minutos por nossa pizza, além de descobrirmos que faltou a rúcula num dos sabores. Porém, a pizza é boa. A outra, uma pizzaria de ambiente rústico, com mesas de pedra e sem talheres: a pizza vem cortada em fatias que lembram um brinquedo geométrico mosaico chamado Tangram. É claro que a explicação pra isso teria de ser algo exotérico tipo mandalas ou outra coisa que envolve hipnose de massas e meditação vegetativa, só que, quando a pizza chega, meditar é a última coisa que se quer: o local só oferece duas opções de sabores, o tradicional, que tem cenoura e molho pesto (além de outras coisas impronunciáveis) e a doce, que deve ter banana, fora algo mais que não me ocorre agora lembrar. A pizza é deliciosa, massa fina e crocante, come-se de mão, e além de azeite e molho shoyo (nada de meninos sebosos que entopem a pizza de maionese e catchup, artigos inexistentes no local) é possível acrescentar um mel especial saboroso, cujo segredo não revelarei para não estragar a surpresa de quem lá se aventurar.
Ainda há um local onde se come bem na cidade, que é uma casa de massas chamada Casa das Fadas, fica na estrada entre Palmeiras e Capão, já perto do vale. É difícil encontrar o local exato à noite, já que não há iluminação na estrada, mas o local é de primeira categoria, com uma lareira e um atendimento impecável por parte dos próprios donos do estabelecimento. Coisa chique, porém se paga muito menos que se pagaria numa cidade grande. E por fim, a iguaria mais exótica: o pastel de palmito de jaca, achado em todo o vale. Só não me pergunte o que é palmito de jaca.
No centro da vila, barraquinhas de hippies e rastafaris, vendendo as onipresentes bugingangas como colares de sementes, brincos, cristais, sabonetes de argila da região, roupas estampadas com Che Guevara, Buda e Timothy Leary, etc. Um grupo aqui tocando violão, outro acolá com flautas, um rapaz salta de vez em quando fazendo uma performance instantânea e improvisada de arte pura do Capão... Nada de carros com a porta do fundo aberta tocando Asa de Águia, e para garantir a paz local, cada vez que alguém ameaça exibir suas caixas de som superpotentes soa um alarme ensurdecedor e desce um time da SWAT que apreende imediatamente o veículo e detém os infratores para um longo interrogatório.
Todas as fotos desta série de posts foram tiradas por Linsmar Dancon
Só não consegui achar maconha. Será que tenho cara de polícia ou de repórter do Fantástico?