(Indo de táxi para o restaurante)
"Você está tão bonita que eu mal consigo olhar para o taxímetro!"Em Manhattan, 1979.
saiba que eu tenho approach
A arte de andar com pessoas assenta fundamentalmente na capacidade (que requer longo treino) com que se é capaz de ingerir um repasto cuja cozinha não inspira nenhuma confiança. Caso sentemos à mesa com uma fome de lobo, tudo vai bem (...) Mas não se possui esta voracidade de lobo quando se quer! Ah, como o próximo é duro de digerir!
Há atiradores de plantão contra nadadores mal-intencionados que desejem entrar na cidade
Fotos por: Linsmar Dancon
Assim, finalizo com meu conselho pessoal: não vá pra Caraívas, lá é horrível!
"Garoto, você tem cara de que gosta de pensar na vida. Pois eu estou pensando nela há uns 50 anos e criei uma estória pra explicar o que é a nossa vida. Preste atenção: muita gente diz que o mundo é um inferno, outros dizem que é um paraíso, outros que é uma ilusão, outros que é somente dor e sofrimento, e por aí vai. Mas acontece que cada um vê apenas o que seus olhos podem olhar, e geralmente os olhos das pessoas olham sempre para as mesmas coisas, as olham por tanto tempo que não conseguem enxergar mais nada, e por isso elas têm tanta certeza de que estão certas.
Eu, porém, nunca consegui passar tempo demais olhando pra uma coisa só. Não sei, talvez não tenha sido feito pra parar, como disse Raul Seixas, 'como as pedras imóveis na praia'. Nunca tive objetivo na vida, e tive até muita sorte, pois sem o menor esforço eu tive mais oportunidade que a maioria das pessoas têm. Mas enquanto todos tinham um objetivo e acabavam parando quando o encontravam, eu continuava caminhando, sem saber o que fazer direito, e todos ficavam para trás. As pessoas não te perdoam por isso, acham que você é ingrato ou arrogante, logo eu, que nunca tive nada para provocar ressentimento em ninguém... Nunca fui importante ou famoso, nem ostentava qualquer tipo de coisa que desse inveja. Mas as pessoas simplesmente não gostam de ser deixadas para trás, principalmente se for por alguém como eu. Eu nunca pude evitar, pois, fatalmente, todo mundo acaba se dando por satisfeito na vida, seja com uma esposa, filhos ou a profissão miserável; uns são mais modestos e querem apenas ter um carro para adorar para o resto da vida. Outros não se encontram em nada disso e acham a igreja. Mas eles todos, se gostam um pouco de você, nunca te perdoarão se você continuar caminhando. É uma má lembrança, perceber que está parado.
Mas todos os andarilhos, como eu, um dia se perguntam se realmente haverá um lugar onde chegar. Porque eu não ando para deixar os outros para trás, e sim para chegar no meu lugar, e tomara que haja alguém lá além de mim, ou pelo menos alguém que caminhe comigo por um tempo. A vida vai passando, a gente vai sempre olhando pra frente, e quando dá de olhar para trás, eta que já foi um monte de tempo!, já passou um monte de coisa, já conhecemos tanta gente que nem dava pra lembrar direito...
Foi aí que eu comecei a dizer que a vida é um labirinto. Todos procuram uma saída, e muitos encontram, mas o que a maioria não vê é que nenhuma delas é uma saída de verdade. É como se cada uma fosse um oásis no meio do labirinto. Para uma grande parte das pessoas, a saída é ter um emprego fixo, uma casa, mulher e filhos, amigos e família. Outros se encontram na religião e em Deus. Eles encontram um recanto mais agradável no labirinto e lá fixam sua morada, para que possam descansar da vida dura. No geral, quase todos olham para os lados e se compadecem do seu semelhante, que lhes parece um errante infeliz e faz sempre as escolhas erradas. Mas há tantas saídas quanto há pessoas, e o labirinto é cheio desses "oásis" e dos seus ocupantes. Ninguém vê, no entanto, que se cada um tem a sua solução como a única certa, as soluções mutuamente exclusivas acabam excluindo-se umas às outras até não sobrar nenhuma (confesso que nesse ponto eu precisei um pouco mais de raciocínio pra continuar entendendo, depois descobri que o homem era um matemático e gostava desses golpes de lógica). Sabe como é? Você anda entre paredes estreitas, e aí acha uma praia enorme, que parece sem fim! A tendência é acreditar que enfim achou o que queria, mas, se você é um pouquinho mais curioso, começa a explorar os limites da sua praia e acaba como o personagem daquele filme que navegou no mar até bater numa parede pintada de horizonte. Você pula o muro e acaba dentro do labirinto de novo.
Bom, eu pulei tantos desses muros que não acredito que o labirinto tenha fim. Quando eu tinha um pouco mais que a sua idade, ainda acreditava que chegaria a um lugar, esperava que fosse um lugar fantástico, onde ninguém tivesse chegado antes, ou no mínimo um lugar que não fosse de mentira, que não fosse um paraíso artificial no meio do labirinto. Isso vem muito do narcisismo, muita vaidade, e o tempo vai varrendo isso da gente, inevitavelmente. Com o tempo, a possibilidade de nada ser verdadeiro anula as questões contra a mentira, torna o conceito de ilusão inaplicável e transforma a busca da verdade num caminho ridículo e infantil como todos os outros, se não mais. Porém, em certa altura do caminho não há mais como mudar; nunca vai tudo embora, e apesar de achar que o labirinto é infinito, toma tudo e ninguém jamais conseguirá sair dele, eu sempre me surpreendo olhando para o horizonte procurando uma saída, um final... Visito, de quando em vez, meus amigos de infância nos seus oásis, mas sou sempre um estrangeiro entre eles, um viajante que some de repente sem deixar rastros, um alienado e louco que está sempre com a poeira do deserto nos cabelos..."